2 de dezembro de 2010

like twisted souls

— Aquele puto me chamou de "serelepe" — falei. As garrafas vazias espalhadas pela mesa, minha cabeça girando.
— Serelepe? — Mary perguntou quase ininteligivelmente.
— É, serelepe. Caxinguelê, buliçosa. E ele é tão capcioso que até agora eu não consegui descobrir se estava sendo sarcástico ou não.
— Sério? — Mary riu. — Logo você, a pessoa mais sarcástica que eu conheço, com essa dúvida cruel... Acho que isso foi puro sarcasmo. Você não é serelepe, Ida. É uma bêbada desiludida.
— Obrigada, Mary — respondi sarcasticamente, como ela esperava.
— Não vou pedir desculpas. Nós dizemos, somos a verdade; você não se ofende comigo. Gary é seu professor de Filosofia. Ele também é um bêbado desiludido. E sarcástico, como você.
— Concordo plenamente! — bradei. Acho que logo após fiz um escândalo falando a respeito das filha-da-putices de Gary e as minhas últimas notas baixíssimas na faculdade e fomos expulsas do bar. Lembro de pouca coisa depois disso. Pouco me importava... O que importava é que eu achei a fechadura dessa vez, porque da última, dormi no hall da escada.


Está precisando de um conselho? Não faça filosofia. Perdi meu emprego e ninguém me ama, ninguém me quer. Vida de filósofo é uma vida fodida. Acredite, filósofos sofrem muito mais — a verdade não só dói, ela tortura.


Abri a porta de dei de cara com o milhar de cartas — cartas, não, cobranças, em sua maioria — que chegavam todos os dias. Com muito esforço, consegui ler a ordem de despejo que havia chegado naquela manhã. Pronto. Me fodi legal.


Bati na porta cinquenta vezes. Lógico, cinquenta, não, porque eu estava bêbada, mas bati várias vezes. Acho que Louie demorou porque deviam ser umas três da manhã.


— Ida? O que houve? — Louie e sua olheiras atenderam a porta.
— Louie, eu acabei de receber um aviso e... Eu sei... Eu sei... Louie, eles vão me despejar assim que a manhã chegar e eu sei que estou sempre tão bêbada quanto se pode estar... Mas eu me pergunto, sabe... Será que você não tem espaço pra mim?
— Louie? — uma voz feminina chamou de dentro.
— Louie? — chamei do lado de fora. Louie continuou a olhar para mim, e eu a olhar para ele, cambaleando como se estivesse sobre um monociclo, as lágrimas querendo vazão e eu prendendo-as para sempre — Me desculpe. Não sabia que... Eu não sabia. Me desculpe. Eu vou... embora.
— Ida?
— Sim? — perguntei. E eu, que havia prendido as lágrimas para sempre, deixei que rolassem sem escrúpulos.
— Eu também.
— Hã?
— Também estou bêbado. Também amo você — Louie pegou minha mão. —  Tenho todo o espaço pra você aqui. Vem. É só a TV.


Uma visão que R. teve ao ouvir Louie, da Ida Maria.
Ficou uma bosta, mas foi o que R. viu.

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