10 de agosto de 2010

Herinnering

— Renato, o que é reminiscência? — perguntei-lhe sentada na poltrona verde da sala, rodeada pelas paredes brancas e pelos vasos coloridos. Estava havia um certo tempo observando o mundo alheio pela janela do nosso apartamento, no quarto andar, vendo o céu escurecer enquantos as luzes dos apartamentos de outros se acendiam. Meu copo de chá gelado suava e escorregava-me da mão.
— Ah, Cibele, procura no dicionário! — Renato ralhou, mal-humoado, apoiando as mão no balcão da cozinha; eu podia ver seu reflexo no vidro da janela ao alternar minha visão entre ele e os carrinhos de pipoca na avenida. Provavelmente, o motivo por trás de sua irritação era o chefe. Era quase sempre culpa do chefe.
— Já procurei — eu lhe disse, tentando enxergar mais a rua que seu reflexo. Agora eu também via os semáforos — verde, amarelo, vermelho, de novo e de novo —, as prostitutas, os rabiscos nos muros, as lanternas traseiras dos carros, os faróis baixos e as bancas de jornal.
— E então, não achou? Você não sabe consultar o dicionário?
Decidi ignorar seu sarcasmo. Não era sempre intencional. Não era sempre culpa minha.
— Dizia apenas: "lembrança indecisa, recordação vaga".
— É claro, não é definição suficiente — ele afirmou, sarcástico outra vez. Dessa vez, era minha culpa, ele já me conhecia.
— Não... Ouça: Reminiscência. É uma boa palavra. Encorpada, grande, bonita. Não achei algo condizente no dicionário, nenhuma boa imagem.
— Você e suas manias... — ele riu, resignado. — Será que toda palavra deve ter uma fotografia que combine com ela, só para fazer você feliz?
— No meu mundo, sim. No meu mundo, som e imagem se completam. Fala, Renato, você sabe ou não sabe o que é reminiscência?
Renato demorou a responder. Ouvi um suspiro. Vi seu reflexo desaparecer da moldura da janela. Virei meu pescoço em sua direção.
— Aonde você vai?
— Você não queria um complemento para as palavras do seu mundo? Estou indo buscá-lo.
Ele não esperou que eu respondesse, apenas continuou a curta caminhada até o quarto.
Eu ouvi o guarda-roupas ranger — culpa do tempo e da nossa fata de delicadeza — e as gavetas serem reviradas. E então, Renato voltou com uma caixa de sapatos nas mãos. Esperei. Ele veio sentar-se sobre a mesa de centro, de frente para mim, e entregou-me a caixa, trocando-a pelo meu copo de chá. Antes de pousar o copo sobre a mesa, ao seu lado, deu um gole.
— Não vai abrir? — ele perguntou.
— O que tem aqui dentro?
— Reminiscências — ele disse num tom de obviedade. Ao esperar, perdeu a paciência e removeu a tampa da caixa, colocando-a entre o cinzeiro de cobre e meu copo. Nosso copo. Olhei para o interior da caixa.
Eram tantas coisas que elas pareciam não caber ali dentro. Muitas coisas: pedrinhas de beira de praia, não podia me lembrar de qual praia; papéis de bombons que já não eram fabricados, entradas de cinema e de teatro, cartas, recortes de revista, maços de cigarro vazios, lápis — de olho e de escrever, com ponta e sem ponta; desenhos, bilhetes, anéis, fotografias. Muitas fotografias. E etc.
Observei cada objeto. Todos me lembravam alguma coisa e, ao mesmo tempo, não me recordavam de nada. Alguns me traziam felicidade, outros, melancolia. Não sabia o motivo. A maioria me fazia pensar em flashes amarelados, como papéis velhos ou lâmpadas incadescentes.
Enquanto isso, Renato sondava cada mudança de expressão do meu rosto.
— Consegue ver? — ele indagou.
— Então... Isso é que é reminiscência?
— Está vendo? Vendo aquilo não se pode ver? Quero dizer, que não se pode ver com clareza? Por isso o dicionário não define direito.
— Por isso o quê?
— Reminiscência não é só uma memória quase apagada. Essas cores são tão efêmeras e etéreas que chegam quase a ser uma droga. Isso aí que você tá vendo é quase feito ácido...
— É, posso sentir.
— Reminiscência também é uma espécie de... Sentimento. É um sentimento de cores diferentes.


[Ana Cecília]

R.

Em momento bicha.

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