8 de agosto de 2010

Lovely Hank

Deitei na cama, abri a garrafa, dobrei o travesseiro nas costas para ter um bom apoio, respirei fundo e sentei na escuridão olhando pela janela. Era a primeira vez que eu estava sozinho em cinco dias. Eu era um homem que se fortalecia na solidão; ela era pra mim a comida e a água dos outros homens. Cada dia sem solidão me enfraquecia. Não que me orgulhasse dela, mas dela eu dependia. A escuridão era como um dia ensolarado pra mim. Tomei um gole de vinho.
Subitamente o quarto se encheu de luz. Houve um estrépido e um rugido. A linha elevada do trem passava ao nível da minha janela. Havia uma estação do metrô ali. Olhei para a fila de rostos nova-iorquinos, que me olharam de volta. O trem se demorou e, então, partiu. O quarto ficou escuro. Logo voltou a encher-se de luz. Outra vez olhei para os rostos. Era como uma visão do inferno contantemente repetida. Cada novo carregamento de rostos era mais feio, demente e cruel que o anterior. Bebi o vinho.
Aquilo continuou: escuridão, depois luz, depois escuridão. Terminei a garrafa e fui em busca de mais. Voltei, tirei a roupa, retornei para a cama. As partidas e chegadas dos rostos continuavam; era como se eu estivesse tendo uma visão. Eu era visitado por centenas de demônios que o diabo em pessoa não podia tolerar. Bebi mais vinho.

Bukowski, Charles. Factótum. Tradução de Pedro Gonzaga. São Paulo: L&PM Pocket, volume 624, 2009, p. 32-3.

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